31/01/2011

The Lowlands of Holland

Eu podia pôr menos Geoffrey Hill neste blog? Podia, mas não era a mesma— Não, na realidade não podia. Aliado ao facto de este ser certamente dos melhores poemas sobre a Europa contemporânea que eu jamais li. Só de pensar que foi escrito nos '50...


Of Commerce and Society
II The Lowlands of Holland

Europe, the much-scarred, much-scoured terrain,
Its attested liberties, home-produce,
Labelled and looking up, invites use,
Stuffed with artistry and substantial gain:

Shrunken, magnified —(nest, holocaust)—
Not half innocent and not half undone;
Profiting from custom: its replete strewn
Cities such ample monuments to lost

Nations and generations: its cultural
Or trade skeletons such hard-picked bone:
Flaws in the best, revised science marks down:
Witness many devices; the few natural

Corruptions, graftings; witness classic falls;
(The dead subtracted, the greatest resigned;)
Witness earth fertilised, decently drained,
The sea decent again behind walls.


Geoffrey Hill. For the Unfalen: poems 1952-1958. Andre Deutsch: 1979

Talvez o que a Weil signifique para a Vida acabe por ser o mesmo que o Antigo Testamento significa para Lutero. No seu tratado Sobre a Liberdade do Cristão, Lutero admite que os dois evangelhos possam ter sentidos antitéticos e complementares: o Antigo simbolizaria a Lei à qual total obediência era impossível. Quando confrontado com as exigências morais do Decálogo e dos profetas, é impossível ao ser humano não se sentir destruído pela infinita superioridade de Deus. Seria portanto um evangelho cujo objectivo era reduzir o humano ao seu mais ínfimo, destruir-lhe por completo o orgulho e a sobérbia. E nessa altura, após lhe haver sido demonstrada a sua insuficiência ontológica, Deus oferece o Novo Testamento. Mas o que é o Novo Testamento? Lutero resume-o simplesmente em amor de graça. O humano é ínfimo, não consegue cumprir aquilo que Deus dele exige (no AT), e por conseguinte nada merece. Ainda assim Deus ama-o. E esse amor de Cristo é aquilo de que o humano pode ter a certeza, por menos merecedor dele que se sinta.

Lutero conta a história de como se costumava auto-detestar na sua culpa da sua insuficiência, como por muito que se confessasse ritualmente nunca se sentia verdadeiramente limpo. Até que falou com um monge seu confidente que lhe pediu que compreendesse que quando Deus, pela boca do sacerdote, diz os teus pecados foram perdoados, Lutero tinha de aceitar a verdade desse perdão: Cristo suplanta o Decálogo como o Novo completa o Velho (então Mateus 5:17, μὴ νομίσητε ὅτι ἠλθον καταλῦσαι τὸν νόμον ἢ τοὺς προφήτας· οὐκ ἦλθον καταλῦσαι ἀλλὰ πληρῶσαι, Não pensem que vim para dissolver a Lei ou os Profetas; não vim para os dissolver mas para os completar.)

Assim do mesmo modo me parece que la Weil, por muito marcionista que frequentemente pareça (marcionismo é a heresia cristã de que o Antigo Testamento é obra duma espécie de Arquidemónio, enquanto que o Novo é a verdadeira palavra de Deus), acaba por poder 'funcionar' enquanto um Novo Antigo Testamento: as obrigações morais, a intransigência em ferida dos seus imperativos de auto-redução, tudo isso parece oferecer um sistema ético paralelo ao oferecido no Antigo Testamento, com a diferença que lá era uma ética prática, e aqui é uma ética teológica ou existencial. Mas finalmente, ambas coincidem: uma palavra divina impossível de ser humanamente vivida, muito embora, se efectivamente vivida, fosse possivelmente a mais "pura" vida alguma vez vivida; palavra essa que, ainda assim, porém, por absoluta que seja ou precisamente por ser talmente Absoluta se subsome na Agapê.


Nota pessoal, tenho de voltar a pôr aqui links do youtube ou poemas do Wallace Stevens, que isto já começa a ser teologia a mais e não tarda nada esqueço-me de que sou assim a modos que mais ou menos ateu.

Vendo o Fogo da Voz Viva



Há muito tempo atrás escrevi um post aqui a que chamei Ver a Linguagem. Hoje li finalmente a passagem que mo ilustra:


Durante a grandiosa manifestação física da presença de Deus no Sinai, o povo de Israel participa intensamente na cena. Primeiro quer precipitar-se em direcção do monte, depois retrais-se assustado pelas explosões de fogo e pela potência da voz de Deus. No capítulo quarto do livro Devarìm / Deuterónimo, revela-se um detalhe daquele momento. Deus adverte no versículo nove: «Não esquecerás as palavras que viram os teus olhos».

Mas nós sabemos que nas encoastas do Sinai os hebreus escutaram palavras, não as viram. Poucos versículos mais à frente lemos: «E falou-vos Iod / Deus de dentro do fogo: a voz das palavras escutastes e imagem não vistes, excepto uma voz» (Dt 4,12).

Ainda aqui aparece uma voz que se vê, além de escutar. A escritura aqui não se engana nos verbos, mas narra uma experiência prodigiosa já descrita no livro Shmòt / Êxodo, onde está escrito que o povo vê vozes, raios e a voz da trombeta e o monte que fumega. Neste versículo, o 18 do capítulo 20, misturam-se sob o único verbo «ver» coisas que dizem respeito à vista e outras que deveriam ser do ouvido. O que significa?

Dois mestres do Talmud interrogaram-se sobre isto, produzindo respostas diferentes. Rabbi Ishmaêl procura o sentido razoável e explica que povo via aquilo que era visívil e ouvi aquilo que era audível. Rabbi Akivà pelo contrário conserva o sentido literal e explca que viam a voz de Deus feita de palavras de fogo. Em apoio refere o versículo do salmo 29 onde se lê: «A voz de Iod / Deus solta chamas de fogo» (SL 29,7), ou seja, forma com o seu sopro uma escritura indandescente.

É isto que viam os hebreus no Sinai: ali a revelação manifesta-se a temperaturas altíssimas. Rabbi Akivà com o escrúpulo de se ater ao sentido literal, ensina que a verdadeira audição, quando é intensa, coincide com a visão. Quem está profundamente atento tem a impressão de ler, não só de ouvir, as palavras que escuta. É uma experiência que toca ao de leve a tensão mística.

No deserto a voz de Deus é tão potente, ruidosa, que confunde os sentidos, provoca vertigens no ouvido interno, que na anatomia se chama labirinto.

Aquela escuta ninguém poderia suportar. À distância de segurança, através da escritura plana de um livro nós somos avisados: «Não esquecerás as palavras que viram os teus olhos» (Dt 4,9). Hoje aquelas palavras somente as podemos ver lendo a experiência física daquelas aventuras sagradas, a salvo daquela voz escaldante que desordenava os sentidos de quem estava inteiramente, em carne e osso e nervos, à escuta.


Erri de Luca. Caroço de Azeitona, João Pedro Brito (trad). Assírio & Alvim: 2002


Imagem:  El Greco.  Pentecost. 1600. Museo del Prado.

29/01/2011

Revolt of the Elites

Embora todo o artigo valha a pena, a última parte, por não se focar na realidade Norte-Americana, é de particular nota.

28/01/2011

Tradução do provençal

Tradução cantabile




Can vei la lauzeta mover
De joi sas alas contral rai,
Que s'oblid' e.s laissa chazer
Per la doussor c'al cor li vai,
Ai tan grans enveya m'en ve
De cui qu'eu veya jauzion,
Meravilhas ai, car desse
Lo cor de dezirer no.m fon.

Ai, las tan cuidava saber
D'amor, e tan petit en sai,
Car eu d'amar no.m posc tener
Celeis don ja pro non aurai.
Tout m'a mo cor, e tout m'a me,
E se mezeis e tot lo mon!
E can se.m tolc, no.m laisset re
Mas dezirer e cor volon.



Quand'a cotovia vejo mover
Joiosa as asas contró sol
Alhei-à si y-ópois caída
Pela doçura que lhao peito sób
Ai que grand inveja me vem
Daquele que-eu vejo contente.
Maravilhǽ que disso
Não arda o cor de desejar.

Ai, muit eu julgava saber
Damor, mas tão pouc eu sei
Que qüand amo comagarrarei
Quela q'eu jamais havrei.
Tôd meu peitº'tem, y-a mente
E tem-m'a mim, e tudoo meu.
E ao levar, leixa el nada
Q'o desejar, y-o peit a qrer.


Vou traduzir isto tudo para ver se a Cotovia mo publica por razões de afinidade taxonómica.

O Bigode de Nietzsche



We could speak about the meaning of life vis-à-vis nonconsequential/deontological theories, apodictic transformation schemata, the incoherence of exemplification, metaphysical realism, cartesian interactive dualism, revised non-reductive dualism, postmodernist grammatology and dicey dichotomies. But we would still be left with NIETZSCHE'S preposterous MUSTACHE, which instills GREAT Anguish and SKEPTICISM in the BRAIN, which LEADS (as it did in his case) to utter MADNESS. I suggest we go to Paris instead.

Prelude to Objects

I
If he will be heaven after death,
If, while he lives, he hears himself
Sounded in music, if the sun,
Stormer, is the color of a self
As certainly as night is the color
Of a self, if, without sentiment,
He is what he hears and sees and if,
Without pathos, he feels what he hears
And sees, being nothing otherwise,
Having nothing otherwise, he has not
To go to the Louvre to behold himself.

Granted each picture is a glass,
That the walls are mirrors multiplied,
That the marbles are gluey pastiches, the stairs
The sweep of an impossible elegance,
And the notorious views from the windows
Wax wasted, monarchies beyond
The S.S. Normandie, granted
One is always seeing and feeling oneself,
That's not by chance. It comes to this:
That the guerilla I should be booked
And bound. Its nigger mystics should change
Foolscap for wigs. Academies
As of a tragic science should rise.

II
Poet, patting more nonsense foamed
From the sea, conceive for the courts
Of these academies, the divine health
Disclosed in common forms. Set up
The rugged black, the image. Design
The touch. Fix quiet. Take the place
Of parents, lewdest of ancestors.
We are conceived in your conceits.


Wallace Stevens, The Collected Poems. Vintage Books: 1990.

27/01/2011

השואה

Necessariamente hesito. Escrever um post, um mero post a lembrar o Dia Internacional de Recordação da Shoah corre o risco de ser demasiado menos, demasiado pouco, e de se transformar num exercício de futilidade narcisística. O que é que exactamente pretendo fazer, posso pretender fazer? Lembrar? Mas lembrar não implica que nos possamos esquecer, pior, que possamos já ter esquecido? Como posso sequer tomar uma acção que implique que tal atrocidade já possa ter sido esquecida? Aceitar o esquecimento como legítimo, talvez até justo, não é isso que faço ao lembrar? Honrar? Mas quem? Prevenir o futuro, um futuro que pareço crer possível de recriar a barbárie? Mera consolação pessoal, como quem manda um desejo de feliz aniversário, a marcar uma data no calendário? É um labirinto onde a morte não está apenas no centro mas sim cujas próprias paredes são a morte. E isto é nada. 

26/01/2011

Notas sobre a Academia

Todos os temas têm recebido pouca atenção apesar da conjectura história muito necessitar que se discutam,  todas as obras dos grandes autores practicamente não têm recebido nenhuma atenção em comparação com todas as outras, e todos os autores são uma das maiores autoridades [sic] dos seus respectivos campos.

este blog é alimentado à base de Geoffrey Hill

[Q] Do you have strong feelings about the function of art and poetry, or do you feel that when we look to art for consolation, sublimation or transcendence we should remain sceptical about its value?

[A] What is wrong with accepting both parts of that proposition? To succeed totally in finding consolation in art would be to enter a prelapsarian kingdom. Father Chirstopher Devlin has a very fine phrase to define the themes of Hopkins's sermons -- "the lost kingdom of innocence and original justice", which is a lovely resonant phrase; and without in any way aligning myself hubristically with Hopkins, I would want to avail myself of Devlin's phrase, because I think there's a real sense in which every fine and moving poem bears witness to this lost kingdom of innocence and original justice. In handling the English language the poet makes an act of recognition that etymology is history. The history of the creation and the debasement of words is a paradigm of the loss of the kingdom of innocence and orignal justice.

roubado daqui

25/01/2011

Uma Seta de Fogo

Formosura Que Excedeis!

   Formusura que excedeis
mesmo as grandes formosuras!
Sem ferir, sofrer fazeis,
e sem sofrer desfazeis
o amor das criaturas.
   Oh, laço que assim juntais
duas coisas tão díspares!
não sei porquê vos soltais,
pois atado força dais
pra ter por bem os pesares.
   Quem não tem ser vós juntais
com o Ser que não se acaba;
sem acabar acabais,
e sem ter que amar amais,
engrandeceis vosso nada.


¡Oh hermosura que excedéis!

   ¡Oh hermosura que excedéis
a todas las hermosuras!
Sin herir, dolor hacéis,
y sin dolor deshacéis
el amor de las criaturas.
    ¡Oh ñudo que ansí juntáis
dos cosas tan desiguales,
no sé por qué os desatáis,
pues atado fuerza dais
a tener por bien los males!
   Juntáis quien no tiene ser
con el Ser que no se acaba;
sin acabar acabáis,
sin tener que amar amáis,
engrandecéis vuestra nada.

Santa Teresa de Ávila. Seta de Fogo - 22 poemas (José Bento, trad). Assírio & Alvim: 2011.


Ao colar o texto original deste poema, resolvi procurar online para não ter de o transcrever por completo, e depois comparei as duas edições para estabelecê-lo pela edição da A&A. Até aqui nada de novo. Porém: não terá escapado ao leitor do poema que, por bom que o poema seja, não se justificaria se não fosse pela absolutamente brilhante última estrofe. O ser mortal com o Ser divino, a unificação de um com o outro; a redução de Deus (cf: Isaac Luria) pela pedra de toque do ser já reduzido dos mortais, conciliado com a negação do amor (ou, melhor dizendo, o amor negativo) da tradição mística, culminando tudo no paradoxo da glorificação do nada: "engrandecéis vuestra nada": um vazio glorioso (Ein Sof), glorificado pela memória do antigo deus evanescido. Tudo isto é maravilhoso: mas há muitas edições (algo que qualquer pessoa pode comprovar) que reduzem a maravilha do última verso a um "nuestro nada". O Nada de Deus é desintegrado na visão tradicional do Nada do humano: a visão do Ecclesiastes etc, que por humana que seja, porquanto transforma o humano na inconsequencialidade cósmica à qual apenas o Divino pode dar razão e justificação, não só translada o poema para a esfera do pensamento religioso 'tradicional', como também coloca a teologia negativa à mercê das consequências destructivas da morte de Deus, ao invés de, indo ao encontro dessa morte, florescer.

18/01/2011

Tom Waits a ler Bukowski



the taughing heart
Charles Bukowski

your life is your life
don’t let it be clubbed into dank submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is a light somewhere.
it may not be much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you chances.
know them.
take them.
you can’t beat death but
you can beat death in life, sometimes.
and the more often you learn to do it,
the more light there will be.
your life is your life.
know it while you have it.
you are marvelous
the gods wait to delight
in you.

12/01/2011

11/01/2011

Os cabalistas cá da terra


Castro Daire é a terra de Isaac Aboad da Fonseca que aqui nasceu em 1605. Foi filho de David Aboad e de Isabel da Fonseca, bisneto do gaon de Castela que deixara a Espanha em 1492 e procurara refúgio em Portugal, na cidade do Porto. E nesta cidade, na Rua de S. Miguel, vive com a família, mediante um pagamento ao rei de 50 maravedis. Os seus pais, cristãos novos mas judaizantes, mudaram-se para Castro Daire que abandonaram quando Isaac Aboad tinha apenas 6 ou 7 anos de idade. Em 1612 a família instala-se em Amsterdão onde o filho mais ovo estuda o Talmud com Uriel da Costa, tendo como colega e companheiro Menasseh ben Israel, filho de pais portugueses,oriundos da ilha da Madeira. Isaac Aboad da Fonseca, com apenas trinta e um anos, é nomeado hakham da Congregação Beth Israel de Amsterdão e em 1638 é o judeu mais novo da Talmud Tora. Em 1641 vai para o Recife como Rabi e acompanha o ensino dos jovens na escola da Sinagoga.

De regresso à Holanda, Aboad da Fonseca, com o seu pendor místico, traduz obras cabalísticas do espanhol para o português e em 1665 impulsiona o movimento de apoio ao falso Messias, Sabbatai Zevi. Grande comentador do Pentateuco, autor de várias elegias fúnebres, o seu nome é uma referência na literatura sagrada dos judeus. No Brasil, foi amigo de Padre António Vieira que muito apreciava a sua vasta erudição.

Isabel Monteiro, a quem muito me gabo posso chamar avó, Os Judeus na Região de Viseu. Região de Turismo Dão Lafões: 1997.

a isto acrescento:

In 1642, Aboab da Fonseca was appointed rabbi at Kahal Zur Israel Synagogue in the Dutch colony of Pernambuco (Recife), Brazil. [...] By becoming the rabbi of the community, Aboab da Fonseca was the first appointed rabbi of the Americas. [...] Members of his community immigrated to North America and were among the founders of New York City. Back in Amsterdam, Aboab da Fonseca was appointed chief rabbi for the Sephardic community. In 1656, he was one of several scholars who excommunicated the famous philosopher Baruch Spinoza. Fonte.




Naturalmente, não há absolutamente nada cá em Castro Daire a apontar a vida deste homem, nem nada que lhe reclame a herança. Tropecei nele unicamente devido ao livro.

08/01/2011

To make the Ancients Speak

Para amar a Antiguidade é preciso tratar os antigos como amigos. Não como relíquias sarcofagizadas nos seus túmulos de métrica, nem como meras curiosidades cujos pormenores it just so happens alguns idiotas academicamente úteis resolveram fazer copy-paste para as suas obras, as quais posso portanto agora estudar (ou: no jargão, posso 'estudar a recepção'). Como amigos amá-los-ei mesmo enquanto discordo deles na mais profunda das nossas cisões, e o concordar não me dará a satisfação bajuladora, mas sim a satisfação agitada de haver mais um degrau fime onde possamos desenvolver alguma estória. Dão-me prendas, tantas, portanto que mais posso eu fazer se não dar-lhes também eu as prendas que os séculos lhes foram compondo e adiando. A vantagem desta estranha filologia em relação à, say, Filosofia, mostraram-no os grandes exemplos culturais, é o laço não jazer num amor da sabedoria deferida mas sim num amor mais histórico, ou tanatológico, o laço é então a própria sabedoria dum amor condenado. É uma declaração de aliança com os mortos que morreram bem, sem esperança nem arco-íris, irrequieta com o que o futuro poderá destruir do passado.
O patriotismo da Grécia é o patriotismo da guerra civil.

Love. I,

Percepções duas me perturbam. Um: isso de haver tanta palavra, tanto pensamento, tanto mundo fora de mim; isso, digamos, a monstruosidade disso, a quantidade leviatânica alquando concebida por alguém- Que significa? Que de articular me defrustro? Assim como eu me esvaio em pensar, e do pouco sangrar esse algum transmorfo em verbo; assim também todos os outros pelos séculos mortos dos séculos. Mais que eu penso, pensam todos. Não à qualidade: A Quantidade. É por aí, pelo confronto com o tanto.

Isso é terrivelmente ético. A Grécia falou assim: anagnarósisreconhecimento. que acontece no momento de mudança da fortuna do herói. Isto: no momento em que reconhecemos naquele estranho o nosso irmão, nesse segundo devemos somos levados -a bem ou a mal, ça veut dire dans l'enthousiasme- somos convencidos da certeza da bondade desta destruição: Édipo é ainda bem destruído. deve igualmodo morrer a Antígona Sua. Seja! Aceitar a destruição, amar a aniquilação. Mas a minha? Não [esta é Segunda]: aceitar a das palavras essas todas.

Escondidas nas palavras, mascaradas de palavras, há outras palavras: por detrás dos ditos há a memória, a infância, profundamente ainda mais: a desgraça absolutamente individual que religiosamente se poderia talvez em tempos dizer merecer caridade mas hoje tem de merecer o Sim piedoso e destruidor: como o imperador que manda matar, é esse o Sim que tem de ser dado às lágrimas de todo o Tempo. Poderia não o fazer: mas ressuscitaria ele, teria ele o poder da ressurreição? Não: tê-lo-ias tu?

Então não o condenes: não te condenes. Mais do que eu já te tenho de condenar às tuas lágrimas, e tu às minhas inditas palavras. Que pode a política? Esconder as lágrimas sob a máscara da felicidade. A honestidade? Aquela honestidade que as palavras únicas infazem? O olhar de compaixão no rosto da humanidade eterna? Qual é o rosto da caveira?

Como Cícero de todos os mortos que nunca o saberiam: Assim: como fazer de todas as palavras já ditas apagadas? Isto nada de nada tem de ético: é invejǒssocrático: é uma experiência comparável à de Longino: ver o morto deus e sentir-se longe: um número tão desaritmético de ideias, de profundos pessoais pensamentos porventura desprezíveis. Esta quadra é a mística imanente possível. Esta quadra resume aquele dever-eu-ser que sinto que devo genesthai oios eimi mathon. Contra esta quadra talvez eu seja anti-trágico. Seja< Por agora)

I have learned one thing: not to look down
So much upon the damned. They, in their sphere,
Harmonize strangely with the divine
Love. I, in mine, celebrate their threnody.

05/01/2011

Por favor, hoje não. Estou num dia Nietzsche.

Filelenismo kitsch


E talvez agora que a própria Grécia perde o seu estatuto e a devoção filelénica caminha a passos largos para se tornar arbitrariedade, talvez se aproxime já a primeira altura da história em que será verdadeiramente lícito amá-la, com a mesma falta de justificação que pode conjurar para si apenas um grande amor.

 Coruja de Atena armada como a deusa. Vaso paródico. Louvre CA2192

04/01/2011

Jerusalém

Jerusalém:

Em hebraico diz-se יְרוּשָׁלַיִם, isto é Yerushalayim.

Em grego transliterou-se em Ἱερουσαλήμ, isto é Hierousalém. Pergunto-me, mas nos meus parcos conhecimentos filológicos não posso ter resposta, mesmo se me parece muito provável, se o jogo de palavras com o termo grego ἱερός/hierós (santo) era comum.

Em latim por sua vez transliterou-se em Hierusalem.

O adjectivo português relativo à cidade é portanto hierosolomitano.

Mas o nome da cidade transforma-se naturalmente: a aspiração (H) deixa de ser pronunciada, e o I transforma-se em J:

Jerusalém.

Em Ceres anoitece.

Em Ceres anoitece.

Em Ceres anoitece.
Nos píncaros ainda
      Faz luz.
Sinto-me tão grande
Nesta hora solene
      E vã
Que, assim como há deuses
Dos campos, das flores
      Das searas,
Agora eu quisera
Que um deus existisse
      De mim.


Ricardo Reis

02/01/2011

a sésame dita por acaso

"[...] a inspiração — segredo que ninguém falou, a sésame dita por acaso, o eco em nós do encantamento distante."

Fernando Pessoa. Na apresentação da revista Athena.


Mais aqui.

01/01/2011

das minhas notas

o esplendor é dispensado por um deus
o esplendor é mística
o espendor é poesia
(assumindo que há algo de verdade nesta verdade)
curiosamente
falar de paul celan
píndaro diz "alla"
Este post lembrou-me o comentário de como a literatura e as artes floresceram em Atenas particularmente enquanto a Guerra do Peloponeso devastava a Grécia, ou como Cícero levou a retórica ao que de mais sublime ela vai mesmo nos anos sangrentos do fim da república. Portantes. Literatura portuguesa, não me desiludas!

Go Away, I'm Reading

João Barrento, you da man


Hoje acordei a pensar que o João Barrento é provavelmente dos portugueses mais fixes que existem.